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Chamada P/ Dossiê: 

Atuação Político-estética na ditadura e redemocratização: reflexões sobre a democracia no Brasil contemporâneo

Organizadores:

Ana Letícia Espolador Leitão

Miguel Rodrigues de Sousa Neto (UFMS)

Rosangela Patriota Ramos (UPM)

Thaís Leão Vieira (UFMT)

 

Data final para submissão: 15 de setembro de 2024

 

O ano de 2024 marca para a História Contemporânea do país o quadragésimo aniversário do Golpe Militar de 1964 que, em 01/04/1964, depôs um Presidente da República legitimamente eleito e instituiu uma ditadura que durou vinte e um anos e se encerrou em 15/03/1985, com a posse da chapa vencedora no Colégio Eleitoral composta por Tancredo Neves e José Sarney.
Sobre esse conturbado período de nosso passado recente muito se escreveu, discutiu, seja no sentido de estabelecer novos horizontes interpretativos, seja com o intuito de recuperar sujeitos e experiências que, com suas ações, contribuíram com a luta pelo fim do regime ditatorial. Ao lado de inúmeras dissertações e teses, produzidas no âmbito das universidades, a Ditadura civil-militar brasileira tem sido, ao longo do tempo, objeto privilegiado de brasilianistas, jornalistas e escritores, em geral, que elaboraram também estudos biográficos e autobiográficos. A esse volume cada vez maior de estudos, somam-se as contribuições advindas do projeto Memórias Reveladas decorrentes dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Em meio aos embates estritamente políticos, fosse no âmbito das instituições políticas, como, por exemplo, a atuação de partidos como o MDB (oposição) e a ARENA (situação), fosse no seio da sociedade civil que, a pouco e pouco, acolheu associações profissionais como a OAB, ABI, eclesiásticas, a CNBB, as inúmeras pastorais, que dela nasceram, os sindicatos, os intelectuais, as universidades, órgãos de imprensa e inúmeros setores artísticos e culturais como teatro, cinema, literatura, artes plásticas, música, assim como adquiriram força e visibilidade segmentos de oposição, por meio da luta armada, visavam destituir o estado implementado por meio do arbítrio.
Em meio a esse caleidoscópio, perspectivas distintas se fizeram presentes em vários níveis e por meio de perspectivas diferenciadas. Sob esse prisma, é possível dizer: o governo autoritário, por intermédio de distintas formas de enfrentamento, como censura, tortura, propagandas ufanistas, juntamente com os inúmeros atos institucionais, em consonância com uma política econômica que, por um breve momento, promoveu o idílio do Milagre Econômico, e com as inúmeras reformas educacionais, buscou cercear as manifestações das forças de oposição.
No entanto, salvo melhor juízo, é possível afirmar: mesmo com esses mecanismos repressivos, setores da sociedade civil construíram vários campos de resistência que, de maneira geral, são identificados como Resistência Democrática. Sob essa égide, inúmeros homens e mulheres se formaram e se educaram. O valor de uma música, de uma poesia, de um espetáculo, de um filme, de um debate tornou-se o amálgama capaz de forjar cidadãos comprometidos com a cidadania e a liberdade de expressão.
É claro, em um país extremamente desigual como o Brasil, o tema da pobreza e a luta contra a desigualdade social tornaram-se bandeiras que se associaram aos demais valores e práticas. Com o restabelecimento do Estado de Direito, novas demandas e urgências ocuparam a pauta política, econômica, social e cultural do país. Contudo, acreditava-se, a bandeira da democracia está sedimentada em corações e mentes. No entanto, o tempo presente nos faz questionar essa que se considerava uma verdade inabalável.
Em virtude disso, esse dossiê convida pesquisadores e pesquisadores a discutirem a questão da cultura de oposição, levando em consideração uma análise que vai além da díade resistência versus cooptação, e pensar sobre os sentidos da redemocratização. No primeiro aspecto, as questões relativas à resistência ou à adesão têm sido amplamente discutidas na historiografia, gerando tensionamentos acerca da nomenclatura a ser atribuída ao regime, como "ditadura civil-militar", que atribui aos civis sua parte de responsabilidade. Esta perspectiva inicial, que surgiu a partir da construção de uma memória na redemocratização, retratava a sociedade civil como essencialmente resistente. No tocante ao período da redemocratização é fundamental entender as transformações e continuidades que marcaram o final dos anos 1970 e a década de 1980, essenciais para a esquerda brasileira e os limites da democracia que se estabeleceria. Isso nos coloca diante de uma tensão temporal entre continuidade e descontinuidade, permanência e ruptura, ou, para recordar Henry Rousso, significa pensar sobre o caráter do passado que não passa. Conjuntamente às duas questões colocadas, pesquisadores e pesquisadoras da cultura há muito discutem que a arte é um importante ethos para se pensar além do binômio resistência e colaboração, conduzindo nossos olhares para as diversas lutas de representação, para as disputas por hegemonia e os muitos projetos em disputa, questionando, assim, as memórias vencedoras, a consagração e monumentalização de sujeitos, grupos e obras, ampliando a noção de uma cultura de oposição para além dos cânones presentes ainda hoje nos manuais didáticos. Por fim, nosso intuito é trazer esse debate ao mesmo tempo em que se discutem os limites da redemocratização e de nossa experiência histórica. Neste dossiê, portanto, buscamos aprofundar a compreensão da cultura de oposição no Brasil, analisando suas múltiplas dimensões e implicações, e refletir sobre a complexidade da transição democrática e os desafios que permanecem.